domingo, fevereiro 19, 2006

Pedra Filosofal


Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida como outra coisa qualquer,

como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso,

como este ribeiro manso em serenos sobressaltos,

como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam,

como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento,

bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo,

que fossa através de tudo num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel,

base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral,

pináculo de catedral, contraponto, sinfonia,

máscara grega, magia, que é retorta de alquimista,

mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante,

caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança,

ouro, canela, marfim, florete de espadachim,

bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim,

passarola voadora, pára-raios, locomotiva,

barco de proa festiva, alto-forno, geradora,

cisão do átomo, radar, ultra-som, televisão,

desembarque em foguetão na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,

que o sonho comanda a vida,

que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança

como bola colorida entre as mãos de uma criança.

António Gedeão